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Coisa feia e aterrorizante para o Brasil...

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Já Somos uma re(s)pública? // Pasquale Cipro Neto


pasquale cipro neto

 

15/11/2012 - 03h00

Já somos uma re(s)pública?


O feriadão desta vez foi gordo, gordíssimo. E hoje, na ponta inicial do feriadão, o que é mesmo que se comemora? A proclamação da República, ou seja, nossa passagem de império a república. Sei que para muita gente o sonho dourado ainda é uma ditadura, qualquer que seja (com um imperador ou rei, um general, um Médici, um Castro, ou qualquer dessas coisas), pusilânime como qualquer, qualquer ditadura (de direita, de esquerda, de centro --ou de nada, como, aliás, as ditaduras soem ser), em que os delírios do ditador de turno são a lei.
Pois bem. Malgrado a vontade de muita gente, o Brasil, ao menos no nome e no papel, é uma república. O ideal mesmo seria termos, literalmente, uma república, ou seja, uma "res publica", expressão latina que dá origem à palavra "república" e que significa "coisa pública". A república é república justamente porque nela o que está acima de tudo não é a vontade, a opinião ou o credo do ditador de plantão, mas o interesse público. Por acaso não é esse o cerne do que julga o Supremo neste momento? O famigerado mensalão não foi a apropriação de dinheiro público para fins partidários, pessoais etc., etc., etc.?
O caro leitor já ouviu, por exemplo, alguém elogiar a "postura republicana" de determinada autoridade (o/a presidente da República, por exemplo) na condução de determinada questão? O que significa esse elogio? O que se elogia é a atitude da autoridade que põe em primeiro plano o interesse público, e não o pessoal ou partidário, por exemplo.
Há oito anos, escrevi sobre o tema "res publica" neste espaço. Tomando por base o significado literal de "república", abordei alguns fatos da época e concluí que ainda estávamos longe do que realmente é uma república. E hoje? A situação mudou? A nação brasileira já sabe diferenciar o público do privado e sobrepõe aquele a este? Nosso espírito já é definitivamente republicano?
Não vou entrar nessa discussão, não, caro leitor. Pense e conclua. Eu só queria levantar a lebre a partir do que é precípuo na minha função (comentar e analisar fatos da língua). Permito-me lembrar-lhe o que dizia o grande educador Paulo Freire: "A leitura do mundo precede a da palavra". No caso específico do que estamos abordando, eu diria que é possível fazer os dois percursos, e isso certamente fica mais claro e mais funcional quando se sabe "ler", por exemplo, uma palavra como "república", que, em seus empregos formais, ainda significa o que nos ensina a etimologia (parte dos estudos linguísticos que se ocupa da origem e da evolução das palavras).
É preciso tomar cuidado com os falsos encantos da etimologia. Há muito chute por aí. Obras sérias (como o "Houaiss", por exemplo) são claras quando é clara a origem da palavra; quando não é, nada de tiro para qualquer lado ("origem obscura" é o que se diz quando não há documentação suficiente).
O desmonte cirúrgico da palavra e a associação de seus elementos mórficos com os de outras palavras podem aumentar a intensidade da absorção do que se lê. Se tudo isso for precedido pela leitura do mundo e associado a ela, pode-se começar a pensar na concretização da função (ou das funções) da leitura, do estudo, do aprendizado. O caso de república é só um exemplo, um ótimo exemplo, não lhe parece?
Depois disso, não se torna mais interessante saber por que o Brasil é uma república? E por que nosso país se chama República Federativa do Brasil? Epa! O que é "federativa", que é da família de "federação", "confederação" etc.? Agora é sua vez. Vá em frente. É isso.
Pasquale Cipro Neto
Pasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de "Cotidiano".

    quinta-feira, 12 de julho de 2012

    "...Apiedo-me, ou melhor, apiado-me..." Demóstenes foi apeado

    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pasquale/1118788-pasquale-cipro-neto---demostenes-sua-defesa-e-pessoa.shtml

    pasquale cipro neto

     

    12/07/2012 - 03h00

    Pasquale Cipro Neto - Demóstenes, sua defesa e Pessoa

    Foi pelo blog do grande e querido companheiro Fernando Rodrigues que fiquei sabendo, anteontem, que na peça de defesa ("Memorial da Defesa do senador Demóstenes Torres") do agora ex-senador Demóstenes Torres, assinada pelos seus cinco advogados, foram citados Martin Luther King e Fernando Pessoa. As citações estão na "capa" da peça, imediatamente depois do título formal que a ela foi dado.
    De King, citou-se esta passagem: "A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar". De Pessoa, a passagem é esta: "Ergo-me da cadeira com um esforço monstruoso, mas tenho a impressão de que levo a cadeira comigo, e que é mais pesada, porque é a cadeira do subjetivismo".
    Estupefaz-me o esforço de certos pré-condenados, sobretudo daqueles que já se sabem condenados e (é claro) consideram-se injustiçados. Apiedo-me, ou melhor, apiado-me, já que, dadas as circunstâncias, talvez seja mais apropriado empregar a flexão (paronomástica) da forma variante e antiga "apiadar".
    Em pronunciamentos muitas vezes patéticos (vide a origem dessa palavra grega), essas figuras lançam mão de trechos bíblicos, de frases de grandes líderes, poetas, filósofos ou juristas. Tivera eu podido fazer uma sugestão aos defensores de Demóstenes, tê-los-ia aconselhado a citar estes versos de Drummond, de "Segredo": "Suponha que um anjo de fogo varresse a face da terra e os homens sacrificados pedissem perdão. Não peça". Drummond e meu filho Carlos (assim nominado em homenagem ao Poeta, que estava vivo quando meu filho nasceu) que me perdoem, mas não resisti.
    Mas o que eu gostaria mesmo de ter feito, se mo tivessem permitido os causídicos de Demóstenes, é outra coisa. Explico: o trecho de Pessoa citado no "Memorial da Defesa" na verdade é de Bernardo Soares, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Está no imprescindível "Livro do Desassossego" (são incríveis as coincidências da vida! -o título por si só já diz tudo). Aliás, por mais uma fatídica coincidência, Bernardo Soares é ajudante de guarda-livros (em Brasília, digo, em Lisboa...).
    Bem, para ir de vez ao ponto, eu teria sugerido aos patronos da causa de Demóstenes que tivessem ido para uma das páginas anteriores à em que está o trecho citado. Lá teriam encontrado o que segue: "Todo esforço, qualquer que seja o fim para que tenda, sofre, ao manifestar-se, os desvios que a vida lhe impõe; torna-se outro esforço, serve outros fins, consuma por vezes o mesmo contrário do que pretendera realizar. Só um baixo fim vale a pena, porque só um baixo fim se pode inteiramente efetuar. Se quero empregar meus esforços para conseguir uma fortuna, poderei em certo modo consegui-la; o fim é baixo, como todos os fins quantitativos, pessoais ou não, e é atingível e verificável. Mas como hei de efetuar o intento de servir minha pátria, ou alargar a cultura humana, ou melhorar a humanidade? Nem posso ter a certeza dos processos nem a verificação dos fins".
    Santo Bernardo Soares! Santo Fernando Pessoa!
    Nas próximas duas semanas, estarei em férias. A coluna volta em 2 de agosto. É isso.
    Pasquale Cipro Neto
    Pasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de "Cotidiano".