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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

"No desespero" / Carlos Alberto Sardenberg

No desespero

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 18/01.
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Milhares de cargos foram perdidos pelo PT e associados. Um segundo cataclismo, nas eleições deste ano, seria devastador


É um claro sinal de desespero essa radicalização do PT à medida que se aproxima o julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. Há um componente de agitação e propaganda nesse movimento — uma última tentativa de intimidar o Judiciário — mas tem aí uma questão pessoal.

Trata-se do futuro profissional, do meio de vida mesmo, de grande parte dos quadros do PT. Estamos falando daqueles que só trabalham em três ambientes: no próprio partido, nos sindicatos e nos governos. São pessoas que praticamente largaram suas profissões para se dedicar inteiramente à atividade política.

Lula, claro, é o exemplo maior. Mas há outros milhares que descreveram a mesma trajetória de vida. São operários, advogados, médicos, engenheiros, técnicos de diversas áreas, jornalistas, que há muitos anos não têm qualquer atividade no setor privado da economia.


Podem reparar nos currículos. O sujeito é membro do partido, diretor do sindicato, depois aparece como secretário de alguma prefeitura, vai para um DAS no governo federal, assume um posto em governo estadual, uma bela assessoria em estatal — e assim vai, de administração em administração, de cidade em cidade, sempre acompanhando as vitórias do PT.

Os funcionários públicos concursados, como os professores, estão em parte protegidos pelas generosas regras do setor, entre as quais a estabilidade. O PT perde a eleição, o sujeito perde o cargo no governo e volta para a repartição. Mas como um simples peão. Tem um garantido mensal, mas perde gratificações, DAS, jetons por participação em conselhos de estatais, perde poder.

Eis um ponto pouco comentado, mas que está nas preocupações internas dos militantes.

Isso, aliás, explica grande parte dessa adesão cega a Lula. Tem o fervor político, claro, mas, convenhamos, é coisa de poucos. Os outros, inclusive por terem participado de campanhas e governos, sabem que é tudo verdade: caixa dois, desvio de dinheiro para o partido e para bolsos pessoais. Sabem que Lula se beneficiou pessoalmente desses esquemas — e sabem que a Lava-Jato descobriu tudo isso, com provas, sim senhor. Os que não sabiam e ficaram chocados já deixaram o partido.

Os demais lutam pela sobrevivência. Já houve um primeiro desmoronamento nas eleições municipais de 2016. Milhares de cargos foram perdidos pelo PT e associados. Um segundo cataclismo, nas eleições deste ano, seria devastador.

Daí o desespero — condição que frequentemente leva a decisões equivocadas.

Ameaçar o Judiciário, por exemplo, é um baita erro. Mas o que fazer quando se sabe que não há saída jurídica? Na verdade, há uma alternativa — a delação premiada. Lógico: o sujeito é apanhado, sabe que a Lava-Jato tem provas, faz o quê? Colaboração.

Como Lula não pode fazer isso, sobra o quê? Ir para o confronto, o desafio ao Judiciário, a ameaça de incendiar as ruas.

Esse confronto é politicamente ruim. Só agrada mesmo à militância cega. Assusta a maior parte da sociedade com a volta do PT radical, daquele Lula antes de fazer a barba, aparar o cabelo, vestir um terno Ricardo de Almeida com gravata Hermès e falar manso. Quase um suicídio? Aqui entra outra, digamos, convicção de Lula e seus mais próximos colaboradores. A de que ele consegue mudar o discurso a qualquer momento, de modo convincente. O radicalismo pré-julgamento seria só uma fase. Depois, na hipótese improvável da absolvição, volta-se para o paz e amor.

Na hipótese provável da condenação, vem agitação, mas a aposta maior será ganhar tempo com os recursos. Não será surpresa se aparecerem nessa fase declarações elogiosas aos tribunais superiores. Veremos. De todo modo, o que importa para Lula e seus militantes é salvar algum naco de poder. O que explica, por exemplo, as negociações partidárias nos estados com os golpistas do PMDB. Vale tudo pelos cargos e para estar no governo, qualquer governo.


segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A Guerra Brasil...( Documentário em Vídeo )

Clique no lind abaixo 

Foram mais de 700 mil pessoas assassinadas em 15 anos

http://oglobo.globo.com/videos/v/a-guerra-do-brasil/6347618

'A Guerra do Brasil': do roteiro à animação, os detalhes do documentário

Os jornalistas por trás do documentário 'A Guerra do Brasil' contam os detalhes da produção, desde o roteiro até a animação.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

... "quando é que o Rio se estrepou? ..."A trajetória Rio abaixo" / Fernando Gabeira

Fernando Gabeira: 

A trajetória Rio abaixo

É insuportável viver num país onde os bandidos fazem a lei

Publicado no Globo
Quando menino, vi as luzes do Rio e me apaixonei. A escola nos trouxe para uma excursão a Petrópolis. A professora, generosamente, permitiu que o ônibus avançasse um pouco para nos maravilhar com a visão. Mais tarde, li no romance “Judas, o obscuro”, de Thomas Hardy, uma experiência semelhante: o personagem também admirava a cidade grande longe, fixado em suas luzes.
Assim que minha segurança profissional permitiu, ainda quase adolescente, mudei-me para o Rio, apenas com a mala de roupas, decidido a nunca mais sair. Ao voltar do exílio, apesar do avanço cultural em São Paulo, decidi, ou algo decidiu dentro de mim, ficar. Sei apenas que moro aqui, tive filhas e neto no Rio e não pretendo sair.
Mas a crise que o Rio vive é a mais grave que presenciei. Às vezes, repito aqui a pergunta de Vargas Llosa sobre o Peru, nas primeiras linhas de seu romance “A cidade e os cachorros”: quando é que o Rio se estrepou? É um reflexão que pode começar com a mudança da capital, passar pelas várias experiências de populismo de esquerda para acabar se fixando no encontro do PT com Cabral e toda a sua quadrilha. Entre eles, um coadjuvante de peso: o petróleo.
Às vezes, pergunto se fiz tudo o que poderia para evitar esse desastre. Confesso que, apesar de denunciá-los em várias campanhas, não tinha a verdadeira dimensão da rapina que iriam promover no Rio. Lembro-me que, em 2010, a “Folha de S.Paulo” publicou uma fala em que eu tentava descrever o projeto de Cabral. Comparava-o à tática das milícias que dão segurança a uma determinada área e são livres para cometer crimes. Disse que o instrumento dessa barganha eram as UPPs. A opinião pública ficaria satisfeita e Cabral teria as mãos livres para a pilhagem.
Questionei Cabral em vários debates de TV, sobre corrupção na saúde, políticas sociais etc. Não poderia imaginar que o arrogante adversário gastava R$ 4 milhões mensais com suas despesas particulares. O esquema monstruoso que contou com generosas verbas federais, royalties do petróleo e uma desvairada política de isenção de impostos corrompeu todas as dimensões do governo e talvez mesmo da vida cultural do Rio, entendida num sentido mais amplo.
Cabral caiu com seus asseclas. Em seguida, tombaram os conselheiros do Tribunal de Contas. Começa a cair agora a base de sustentação parlamentar de Cabral, Picciani à frente. O círculo da corrupção estava fechado. Não havia brechas. Era uma trama criminosa perfeita, com todos os seus anéis de legitimação. Nada ficou de pé, exceto sombras do passado, como Pezão e uma Assembleia, com raras exceções, totalmente desmoralizados.
A performance de Pezão como morto-vivo é patética. Ele indicou um deputado para o TCE. O procurador recusou-se a defender essa escolha: era inconstitucional. O procurador foi demitido por defender a Constituição. Felizmente, o deputado indicado por Pezão está para ser preso. Foi indicado ao TCE porque é cúmplice do assalto. A lógica da quadrilha ainda domina o estado. Em outras palavras, o Rio foi arruinado pela maior quadrilha da História, e coube aos remanescentes do grupo reconstruí-lo. Eles não sabem nem querem fazer isto. Seu único objetivo é escapar da Justiça.
No livro “Sobre a tirania”, de Timothy Snyder, o autor mostra 20 lições do século XX. Uma delas pode ser adaptada para o Rio: mantenha a calma quando o impensável chegar. Snyder fala do terrorismo nessa lição. O impensável chegou ao Rio não na forma do terrorismo, mas na ruína profunda de suas instituições. Ele explode na violência cotidiana, crise econômica, desemprego e miséria.
Em outras circunstâncias, a única saída seria uma intervenção federal. Mas o governo de Brasília é também um remanescente do esquema gigantesco que arruinou o país. Não tem força nem legitimidade. A última esperança está na própria sociedade. Uma ilusão a enfraquece: esperar 2018 para realizar a mudança.
Em outros estados, isso pode fazer sentido. Não consigo imaginar como o Rio resistirá a mais um ano de bandidos no poder e a todas as consequências da presença da quadrilha no governo. De que adianta prender deputados como Picciani se a Assembleia está pronta para soltá-los?
No espírito de manter a calma quando o impensável chegar, a sociedade precisa discutir logo não apenas as grandes saídas, mas também a solução emergencial. O problema central é este: o que fazer com as grandes quadrilhas que dominam o estado? Como tomar iniciativas imediatas, para não ter de mudar daqui no futuro próximo? Não tenho resposta pronta. Sei apenas que é preciso enfrentá-los, derrubá-los e substituí-los. Isso precisa ser feito agora.
Já disse no alto de um caminhão de som, em debates e palestras: é insuportável viver num país onde os bandidos fazem a lei. O Rio é o núcleo dramático dessa desgraça nacional.

domingo, 29 de outubro de 2017

"Lições ainda não aprendidas da Revolução Russa " / Editorial de O Globo

Lições ainda não aprendidas da Revolução Russa 

EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 29/10


Apesar do fracasso do movimento que tomou o poder em 1917, a alma autoritária do bolchevismo ainda encanta políticos brasileiros ditos de esquerda

A força da efeméride do centenário da Revolução Russa, neste mês de outubro, inundou os meios de comunicação no mundo de reportagens e análises. De forma merecida. A ruptura de séculos da monarquia czarista, no decorrer de 1917, retirou a Rússia de uma longa hibernação e a tornou um símbolo da promessa de um novo tempo em que haveria justiça e igualdade social.

Não deu certo, mas, mesmo como eixo de um império, o soviético, mantido sob a força das armas, a Rússia, polo aglutinador da União Soviética, e o comunismo continuaram a ser referência para forças políticas no Ocidente, não apenas partidos comunistas. O aceno da igualdade tornou-se mais forte que os anseios milenares de liberdade.

Mesmo hoje, conhecidos os massacres de dezenas de milhões, de forma direta ou pela fome, por Josef Stalin e Mao Tsé-Tung, a versão stalinista chinesa, ainda há quem se deixe seduzir por propostas que fazem a concessão de permitir que um Estado opressivo controle a sociedade, em troca de um suposto igualitarismo e da hipotética erradicação da miséria.

Cuba, um parque temático stalinista caribenho, demonstrou que o máximo que se consegue é uma distribuição igualitária da pobreza, garantidas algumas necessidades básicas. Exceto a liberdade. Claro, a elite cubana tem outro padrão de vida. Poderia ter sido diferente se a Constituinte eleita na Rússia, em novembro de 1917, com a mobilização também de forças democráticas, os mencheviques, não tivesse sido fechada à força em janeiro de 1918 pelos bolcheviques de Lenin. Iniciou-se um longo inverno, encerrado apenas em 1989, quando a demolição do Muro de Berlim marcou a dissolução da União Soviética.

A centralização de tudo no deus Estado pareceu, em alguns momentos, ser melhor escolha que o livre mercado e a democracia. Houve avanços tecnológicos trombeteados pela propaganda soviética. O Ocidente, depois da quebra de 1929, adotou alguns mecanismos de regulação do capitalismo. Mas os soviéticos, ao contrário do que faria a China de Deng Xiaoping, ao usar mecanismos das economias de mercado, não se ajustou, e todo o sistema ruiu, em meio à baixa produtividade, à burocracia, à ineficiência.

A própria realidade atual da Rússia é um atestado da condenação histórica da revolução bolchevique. Basta lembrar que a Rússia que emergiu do comunismo é um Estado também autoritário, com um regime autocrata e seus braços semiclan-destinos de inteligência e polícia política, atuando também no exterior, e governada por um Vladimir Putin que faz as vezes de czar. Os russos continuam imperialistas e expansionistas, vide a Crimeia.

Na essência, foi este modelo de Estado hipertrofiado que inspirou constituintes brasileiros da Carta de 1988, um ano antes da queda do Muro. Este é o pano de fundo da falência fiscal brasileira. E a alma autoritária do bolchevismo ainda encanta políticos brasileiros ditos de esquerda. Neste aspecto, o Brasil ainda não rompeu o Século XXI


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

"Quem atrasou o Brasil ?? "

quinta-feira, outubro 12, 2017

Quem atrasou o Brasil ?

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 12/10

Crescemos menos que a média mundial, menos que os ricos, menos que os emergentes, menos que a América Latina

O FMI não é dado a celebrações. Procura sempre manter um tom neutro em seus elaborados documentos. Mas o “Panorama Econômico Mundial” divulgado nesta semana parece, em vários momentos, uma celebração do crescimento global. Em comparação ao documento de abril, o cenário básico para 2017 e 18 ganhou em qualidade e quantidade. O ciclo de aceleração verificado agora é mais rápido, mais forte e está mais espalhado.

Não se trata de “apenas” uma recuperação, diz o FMI, mas de um claro momento de expansão. O desastre 2008/09 está superado, os países reagiram, fizeram ajustes e voltaram ao crescimento, que é ou deve ser a situação normal de uma economia capitalista. Ah! sim, o capitalismo escapou de mais uma e segue por aí.

Dadas as proporções e a natureza diferente da crise financeira, os programas de combate e recuperação tiveram de incluir novos ingredientes de política econômica. Nada que já não fosse conhecido ao menos nos livros, mas as combinações aplicadas certamente foram diferentes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo Obama saiu comprando ações de empresas quebradas, como as da GM. Gastou mais dinheiro público para salvar companhias e bancos privados. O Federal Reserve, o banco central, reduziu os juros a zero, deixou assim por muito tempo, imprimiu dinheiro e jogou quantidades enormes no mercado, comprando papéis públicos e privados para dar liquidez ao sistema financeiro.

O Banco Central Europeu e outros seguiram por esse caminho —e a recuperação aconteceu. Nos EUA, por exemplo, a taxa de desemprego na era Obama caiu de 10%, auge da crise, para a faixa dos 4%. O país saiu da recessão para oito anos seguidos de crescimento do Produto Interno Bruto — nove se incluirmos as previsões para 2018.

E tudo com ajuste fiscal. Ainda nos EUA, o déficit das contas públicas foi de 10% do PIB em 2009 — um resultado horroroso — para menos de 3% já em 2014. Pois é, o governo primeiro gastou — e tinha estrutura ajeitada para isso — e depois voltou ao ajuste.

Alguns dirão: isso porque são os Estados Unidos, o centro da economia global, exploram o mundo todo.

Então vamos para a Espanha — um caso central no debate pós-crise 2008/ 09. A Espanha estava quebrada, no público e no privado. Governo, empresas e famílias excessivamente endividadas. Recessão e desemprego em alta.

A União Europeia foi ao resgate de um de seus principais membros. Topou alguns gastos cíclicos, mas exigiu do governo espanhol um severo programa de equilíbrios de contas e reformas, incluindo trabalhista e previdenciária (é, sempre a dupla).

Alguns diziam: vão acabar de matar os espanhóis.

No último relatório do FMI, a Espanha aparece bastante bem, crescendo pouco mais de 3%. O déficit público, que ultrapassava os 11% do PIB em 2009, caiu para a faixa dos 4%. O desemprego permanece alto por motivos estruturais — foi de 19% no ano passado — mas passava dos 26% em 2013.

Portugal passou por um processo idêntico, com resultados melhores no quesito contas públicas e desemprego (hoje em 10%). Cresce menos que a Espanha, na casa do 1,5% ao ano, que é fraco mas maior que — adivinhe — o do Brasil.

O ritmo de crescimento brasileiro está em aceleração, como no mundo, mas é preciso notar: o Brasil cresce menos que a média mundial, menos que os ricos, menos que os emergentes, menos que a América Latina.

Enquanto os outros mantinham políticas tradicionais de ajuste pós-crise, o Brasil de Lula e Dilma meteu-se na aventura da “nova matriz econômica", que era o velho populismo latino-americano. Enquanto os outros se preparavam para a arrancada, mantendo contas públicas equilibradas, com inflação baixa e, pois, juros baixos, a “nova matriz” levava o Brasil a mais de dois anos de recessão — e isso com inflação alta e juros altíssimos. Um desastre completo.

Enquanto os outros agora entram no ciclo de expansão, o Brasil está numa atrasada e moderada recuperação. Essa recuperação é resultado direto da mudança da política econômica no pós-Dilma, com a introdução de medidas de controle de gastos públicos (lei do teto, por exemplo) e algumas reformas (trabalhista). Em resumo, com anos de atraso, o país volta ao ajuste.

Só que no meio de uma enorme crise política, ética e institucional, que deixa em dúvida a continuidade da política econômica agora e no próximo governo.

Paciência. O pior que se pode tentar é esquecer o ajuste em nome de uma suposta calmaria política. Só atrasaria a recuperação e não resolveria a política.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Coluna do Moreno / Notícias de política e política de baixa qualidade

LULA FALA COM TEMER, FH E MAIA -

 COLUNA DO MORENO

O Globo - 28/01

JORGE BASTOS MORENO 



Nem o forte radicalismo político que assola o país conseguiu destruir uma das coisas mais belas da política: a solidariedade entre adversários na hora da dor. Lula, um dos que mais cultivou essa virtude, durante sua extensa vida pública, está recebendo neste momento grave da doença da sua mulher, dona Marisa Letícia, o conforto de adversários que não pensava reencontrar tão cedo na vida, como é o caso do presidente Michel Temer, um dos primeiros a lhe telefonar para saber sobre o estado de saúde da dona Marisa.

Na fila dessa corrente de solidariedade ao ex-presidente estava o ex-presidente Fernando Henrique, que fora confortado pessoalmente por Lula na morte da sua mulher, dona Ruth Cardoso.

Depois, foi a vez de outro adversário, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Lula contou ao deputado do DEM sobre o procedimento a que estava sendo submetida dona Marisa e disse que estava rezando pela mulher.

Não faz bem
É uma agressão à inteligência de qualquer um a versão de que Temer saiu da sua casa para a casa de Renan para discutirem perfil e não nomes dos candidatos à vaga no Supremo. Renan defende o nome de Bruno Dantas para o lugar de Teori Zavascki.

Temer, como presidente da República, tem o direito e até dever de conversar com todo mundo. O que espanta não é ele conversar com o presidente do Senado, mas discutir a sucessão na Suprema Corte justamente com um réu, alvo de mais de nove investigações autorizadas pelo STF.

Dança de nomes
Na verdade, não é apenas Renan, outros políticos da base também têm sugerido nomes. Mas o maior lobby, reconhece o Planalto, vem do próprio STF. A exemplo dos políticos, cada ministro tem um nome diferente para a vaga de Teori Zavascki.

Sem toga na língua
A gente pensa que só políticos, artistas e jornalistas é que falam mal, entre si, dos seus colegas.

Veja este diálogo entre dos ministros da 2ª Turma do Supremo:

— Você leu o artigo de Fulano sobre o Teori? — Li e reli. — Gostou tanto assim? — Não! É que, na primeira leitura, não acreditei no que estava escrito. — Por quê? — Ele tentou fazer um necrológio do morto. Mas, como é muito autorreferente, acabou fazendo um autonecrológio, antecipado.

Bem na fita
O presidente Temer jantou ontem à noite com FH, em São Paulo.

O que foi conversado nesse encontro só saberemos na oitava publicação dos “book rosa” de FH, aqueles nos quais só ele se sai bem e o interlocutor muito mal.

Ufa!
Por falar em Temer, o presidente, cinco meses depois de efetivado no cargo, resolveu mudar na semana que vem para o Palácio da Alvorada.

Sabido

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB-RJ), não queria ir à coletiva em que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Luiz Fernando Pezão anunciaram o acordo de ajuda financeira ao Rio de Janeiro.

Depois de muita pressão da equipe econômica e de um pedido direto de Temer, Picciani cedeu. O presidente da Alerj não queria ter que admitir em pleno Palácio do Planalto que as medidas do acordo vão enfrentar fortes dificuldades para serem aprovadas pelo Legislativo. Mas respirou aliviado porque não recebeu sequer uma pergunta dos jornalistas.

Na terra e na água
Marcelo Crivella decidiu criar linhas de transporte aquaviário nas lagoas da Barra e do Recreio para fazer integração do metrô.

Normas
O BC fez um limpa em regras obsoletas e modernizou outras normas como a que limitou o crédito rotativo do cartão nesta semana.

Entre as mudanças, está a nova regra de evitar os gerúndios nos documentos oficiais.

Mãe Dinah
Se o governo não atrapalhar, Rodrigo Maia poderá ser reeleito na próxima semana presidente da Câmara.

Operação tartaruga
O colunista entra de férias e só volta em março, quando espera que Temer já tenha escolhido o sucessor de Teori Zavascki no STF.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

"Para não virar Colômbia "/ Merval Pereira

Para não virar Colômbia - 

MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/01

As Forças Armadas vão fazer uma operação limpeza nos presídios, utilizando toda a tecnologia mais moderna, e ao lado disso o governo federal vai financiar os estados para a aquisição de bloqueadores, raios-X e scanners. Essas varreduras serão realizadas aleatoriamente, nos 12 meses seguintes à requisição do governador.

Para cada autorização haverá um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que dará amparo legal à operação e transferirá totalmente a responsabilidade das ações para as Forças Armadas. As polícias Militares, a Força Nacional, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e as polícias Civis dos estados participarão das operações, mas sob a coordenação das Forças Armadas.
Os militares não lidarão com os presos diretamente, mas com as instalações. O presidente Michel Temer tomou a decisão baseado em sua experiência, quando foi secretário de Segurança em São Paulo logo depois do massacre do Carandiru. Ele relatou a seus ministros que implantou uma sistemática que deu certo: mensalmente, sem avisar, a PM fazia uma varredura minuciosa nos presídios.

Com base nessa experiência, e também achando que havia necessidade do emprego das Forças Armadas, pelo simbolismo, pela força e prestígio que representam, decidiu que era importante essa resposta porque entendia que a questão se transformou em ameaça à segurança nacional.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, concorda com a decisão, a partir da análise da atual conjuntura. Embora o artigo 142 da Constituição, de modo geral, atribua aos estados a responsabilidade pela Segurança Pública, ficando para o governo federal uma atribuição complementar, por meio da Polícia Federal — que cuida da questão de drogas, do contrabando de armas nas fronteiras, dos crimes interestaduais de grande repercussão e dos internacionais —, os estados já não dão conta desse combate.
O crime se nacionalizou, e nenhum governador tem mais condições de fazer o enfrentamento de uma questão nacional, analisa. Problema acrescido da situação fiscal dos estados, que repercute de modo desigual sobre os diversos setores. A Segurança Pública exige despesas elevadas, um contingente numeroso, combustível, carros, equipamentos especiais, e é evidente que a crise financeira fragilizou esse sistema de Segurança, que já não era o necessário. E os bandidos sabem disso e se aproveitam da situação, explicita Jungmann.

O elo mais frágil desse esquema de Segurança muito complexo é o sistema penitenciário. Nele, a rigor, diz o ministro Jungmann, não há demanda da sociedade para investimento, existem demandas em outras áreas numa agenda que é o inverso disso. Hoje, fruto do fato de que a sociedade se sente amedrontada, atemorizada e vulnerável perante o crime, ela não vê na Segurança Pública uma defesa compatível com esse sentimento de fragilidade, e em consequência há um salto regressivo, a sociedade começa a apoiar o “olho por olho, dente por dente”, e isso se reflete nas prioridades dos políticos.

Essa situação fez com que esse processo fosse escalando e se nacionalizasse. Nas análises dos órgãos de inteligência, as gangues estruturadas no Sudeste, no Rio e em São Paulo, se nacionalizaram e até se internacionalizaram. Elas já têm o controle da distribuição das drogas e das armas, e agora buscam o controle da produção. Estão procurando, em termos econômicos, integrar e verticalizar. Hoje tem o PCC e seus associados, e o Comando Vermelho e seus associados, em todo o país, e eles começam a afrontar as instituições.
O ministro Raul Jungmann lembra o ocorrido nas eleições municipais no Maranhão e no Rio Grande do Norte — as gangues ameaçaram até mesmo a realização das eleições, queimando ônibus e escolas que seriam postos de votação. O crime, no seu crescimento, começa a transitar para uma afronta ao sistema democrático, o caminho do Cartel de Medellín.

O governo, segundo Jungmann, tomou uma decisão corajosa para cortar esse caminho “para que não cheguemos ao ponto em que a Colômbia chegou, e agora o México vive”.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

"O Rio de Janeiro é o exemplo limite do que pode acontecer, mas quase todos os estados caminham para o mesmo buraco..." / Carlos Alberto Sardenberg

quinta-feira, novembro 17, 2016

Eis os culpados 

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 17/11
O Rio de Janeiro é o exemplo limite do que pode acontecer, mas quase todos os estados caminham para o mesmo buraco

Imagine uma empresa ou uma família que estão gastando mais do que arrecadam e, pior, encontram-se numa dinâmica em que as despesas sobem todos os anos acima das receitas. Imagine ainda que uma das despesas represente 60% do total gasto. Segue-se que:

1) a empresa ou a família precisam fazer um ajuste;

2) esse ajuste deve incluir aumento de receita e corte de despesas;

3) o corte deve incidir mais fortemente na despesa maior, certo?
Pois é essa a situação dos governos estaduais. No ano passado, gastaram R$ 542,5 bilhões (despesa primária, não financeira). Desse total, a parcela maior (60%) foi para o pessoal. Como o nome diz, trata-se aqui de todos os pagamentos a pessoas, incluindo funcionários ativos e inativos, civis e militares, do Executivo, Legislativo e Judiciário. Aqui tem de salários a benefícios, de aposentadorias a todos os tipos de auxílio, de horas normais e extras a gratificações.

Esse gasto com pessoal aumentou quase 40% de 2012 a 15, conforme estudo da Secretaria do Tesouro Nacional. A receita líquida dos estados cresceu bem menos, na casa dos 26%. A inflação ficou por aí, e a economia cresceu quase nada

Só no ano passado, quando a crise econômica já era evidente, e as receitas de impostos estavam em queda, essa despesa de pessoal subiu mais de 13% em relação a 2014.

Não tem como dar certo. O Rio de Janeiro é o exemplo limite do que pode acontecer, mas quase todos os estados caminham para o mesmo buraco.

Logo, o ajuste não é nem necessário. É fatal. Será feito por bem ou por mal.

Como seria por bem?
Deveria partir de dois consensos. Primeiro, que o ajuste tem que começar o mais rapidamente possível. Segundo, todo mundo terá que pagar a conta, inclusive o pessoal. Reparem: se a maior despesa é com o pessoal, não tem como fazer o ajuste sem reduzir essa despesa.

Servidores na ativa e aposentados dizem que não têm culpa do descalabro e que, por isso, não devem pagar nada.
Deixemos esse argumento de lado por um momento e vamos especular: então, de quem é a culpa?

Todas as contratações, reajustes de salários e concessão de benefícios passam pelo Executivo estadual e pelas assembleias legislativas. Logo, já temos aí dois grupos de culpados. No primeiro, governadores, ex-governadores e suas turmas na administração. No segundo, os deputados estaduais.

Além disso, essas despesas passam também pelos tribunais de contas, que, aliás, têm promovido interpretações marotas para enquadrar determinados gastos. O mais comum é tirar certos pagamentos a inativos e, assim, reduzir artificialmente o tamanho da folha.

Logo, o terceiro grupo de culpados está nos tribunais de contas.

O quarto está no Judiciário. Por todo o país, juízes torturam leis para reinterpretar, por exemplo, o conceito de teto. Assim, o teto nacional do funcionalismo é de R$ 33 mil, mas isso, interpretam, só se refere ao vencimento básico. Auxílios alimentação, educação, “pé na cova”, auxílio-lanche, diferente de alimentação, não contam para o teto, assim perfurado várias vezes.

Vai daí que o ajuste no pessoal deveria começar pelos salários mais altos, com o corte nas chamadas vantagens pessoais. Dizem, por exemplo, que um senador ganha R$ 27 mil mensais.

Falso. Começa que são 15 salários por ano. Tem casa ou apartamento funcional ou mais R$ 3.800 por mês. Tem carro com motorista. Tem gasolina e passagem de avião. Correspondência e telefone na faixa. Vai somando...

Vale igualzinho para deputados.

Mas, mesmo atacando essas despesas claramente ilegítimas, ainda que legais, a conta não fecha.

Será preciso procurar um quinto grupo de culpados, o pessoal. Não cada pessoa em particular — e sabemos quantas ganham mal no serviço público. Estas, aliás, já estão pagando a conta faz algum tempo. Ganham mal porque outros ganham muitíssimo bem. Há aí uma forte desigualdade.
Mas as associações, os sindicatos de funcionários, com amplo apoio de suas bases, estão o tempo todo forçando reajustes e benefícios. E agora, recusam qualquer tipo de ajuste. Claro que é direito do trabalhador buscar melhorias, mas é preciso ter um mínimo de bom senso.
Estava quase escrevendo um mínimo de patriotismo, de noção de serviço público, mas reconheço que é demais pedir isso no momento em que a Lava-Jato escancara o modo como políticos trataram essa coisa pública.

Mas o bom senso vale. Por uma questão de interesse próprio. Invadir assembleia não cria dinheiro. Não seria mais sensato se as lideranças dos funcionários se reunissem com os outros e principais culpados para buscar uma solução, um corte bem distribuído?

Os números estão aí: os estados estão quebrados ou quase. Ou se faz um ajuste por bem ou será feito por mal. Aliás, já está sendo feito: atrasos de salários e interrupção de serviços essenciais à população.

Aliás, podemos incluir aqui o sexto grupo de culpados, os eleitores que escolheram mal tantas e repetidas vezes. Mas nem precisava: o público é o que sempre paga a maior conta.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

domingo, 13 de novembro de 2016

"EUA e Rio mostram como o mundo pirou." / Fernando Gabeira

domingo, novembro 13, 2016

Trump e a curva do Rio -

 FERNANDO GABEIRA

O Globo - 13/11

EUA e Rio mostram como o mundo pirou. O mundo não acabou, apenas ficou mais louco. Esta frase, de um dirigente alemão, é precisamente o que penso depois da vitória de Donald Trump. Mas, às vezes, sou tentado a revê-la quando olho o Rio de Janeiro, lugar onde moro, ameaçado pelo caos e pela anarquia. Todos se lembram do Brexit, o rompimento da Inglaterra com a comunidade europeia. Também ali, imprensa e pesquisa foram traídos pelas circunstâncias. Esperavam um resultado que não veio.
O que há de comum nas surpresas de Trump e do Brexit é a confiança na racionalidade inevitável da globalização. O filósofo John Gray escreveu muitas vezes sobre o tema. Para ele, o comunismo internacional e a expansão planetária do livre comércio são duas utopias nascidas do Iluminismo. Discordo apenas num detalhe: o livre comércio não se impõe à força, ninguém é obrigado a tomar Coca-Cola ou comprar tênis Nike.

Mas a verdade é que a globalização produziu perdedores nos países mais ricos e contribuiu para que alguns estados mais frágeis se dissolvessem em guerras fratricidas. As ondas de imigração levaram medo e inquietude. Na Inglaterra, temia-se pelo emprego e também pelos leitos de hospital e assistência médica.

Nos Estados Unidos, Trump denunciou acordos importantes como o Nafta e prometeu construir um muro na fronteira com o México. No seu discurso, um outro fator também aparece: o medo da desordem, da presença de criminosos que possam perturbar a paz americana, igualando o país a outros lugares caóticos do mundo.

Walt Whitman, num poema de 1855, dizia que os Estados Unidos é um país que não se representa por deputados, senadores, escritores ou mesmo inventores, e sim pelo homem comum. Durante quase toda a campanha, observando as entrevistas dos eleitores de Trump, não havia neles apenas o medo dos efeitos da globalização,
mas também uma repulsa pelos políticos tradicionais. Alguns, mesmo discordando das bobagens que ele dizia, afirmavam: pelo menos é sincero, ao contrário dos profissionais. Outros mais exaltados gritavam abertamente para as câmeras: foda-se o politicamente correto.

A suposição de que o progresso triunfa sempre é um contrabando religioso na teoria política. A história não é linear. E talvez os formadores de opinião e pesquisadores tenham perdido o pé por acharem, equivocadamente, que o triunfo sempre estará ao lado do que consideramos certo. É preciso mais humildade, mais presença na vida das pessoas para compreender que a globalização produz ressentimentos e que muitos anseiam pelos “velhos e bons tempos” de sua experiência nacional.

O caso do Rio deveria ser tratado à parte. Mas é um estado falido, algo que também não é estranho à história mundial. O Haiti é aqui, já dizia, profeticamente, a canção de Caetano e Gil. Falavam da Bahia, mas o verso inicial é válido para todos: pensem no Haiti.

Uma grande contradição na falência do Rio é o fato de que os mesmos políticos que arrasaram o estado são os responsáveis para liderar sua reconstrução. A falta de legitimidade torna a tarefa quase impossível. Depois de tanta incompetência e corrupção, grande parte das pessoas gostariam de vêlos na cadeia, e não no comando do estado.

Eles não vão renunciar. Será preciso que a sociedade se movimente, sem quebradeiras, sem gritos, para que as coisas voltem à normalidade. Ela também se deixou levar pela febre do petróleo. Em 2010, quando disputei com Cabral, já era evidente o colapso do sistema de saúde, a corrupção assustadora. Naquele momento, percebi que muitos intelectuais, alguns amigos queridos, continuavam seduzidos por um governo que mascarava a incompetência e corrupção com os abundantes recursos do petróleo. A sedução não envolveu apenas intelectuais críticos, mas todo o establishment. Hoje, os manifestantes gritam Bolsonaro, quando invadem a Assembleia. Como são policiais, e a família Bolsonaro sempre apoiou a corporação, não significa ainda um sentimento mais amplo na sociedade carioca, embora Bolsonaro, pai e filho, já sejam campeões de voto.

Será preciso humildade para compreender o que se passa, independentemente de nossas projeções teóricas sobre futuros luminosos. A cidade maravilhosa, cosmopolita etc. já está nas mãos de um grupo cristão que tende, ao contrário do Velho Testamento, a defender não uma ética particular, mas um caminho que deva ser universalmente aceito.

A gravidade da crise no Rio, caso sobreviva à quadrilha que o governou, e caso a sociedade não se esforce para buscar soluções, pode nos levar a um tipo de dissolução que encha as ruas de fantasmas perambulando com suas cestas de pequeno comércio, gangues dominando amplos setores da cidade e, sobretudo, saída em massa para o interior, para outros estados, para fora do país.

Pensem no Haiti, diz a canção. Precisamos mais do que isso: pensar no Haiti e fazer algo para evitar o mesmo destino.

 

A carruagem da História segue seu caminho...

Encontro marcado

Surpreendente que Trump jamais havia estado na Casa Branca como cidadão comum, antes do encontro desta semana
Dorrit Harazim, O Globo
Meme das efígies de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, esculpidas no granito de Mount Rushmore, Keystone, South Dakota, EUA (Foto: Redes Sociais)
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, embarca esta semana rumo à Europa, mas não será uma típica viagem de fim de mandato para respirar uma última lufada de notoriedade mundial antes do ocaso do poder. Pelo contrário. Ele estará sendo aguardado por seus pares Angela Merkel, Theresa May, François Hollande, Matteo Renzi e Alexis Tsipras com urgência e ansiedade máximas, como único tradutor possível do enigma chamado Donald Trump.
Dado que nenhum dos líderes europeus conhece o novo personagem, e muito menos imaginava vir a conhecê-lo como 45º ocupante da Casa Branca, as migalhas de informação que Obama compartilhar sobre seu inesperado sucessor serão ouvidas com voracidade. Tampouco o presidente conhecia Trump quando o recebeu na quinta-feira para a visita que serve de liturgia da democracia americana e dá início prático à complexa transição do poder.
Ou melhor, ambos haviam estado sob o mesmo teto uma vez, em 2012. Foi durante o concorrido jantar anual dos correspondentes da Casa Branca, que reúne a nata do establishment de Washington num hotel — para Trump, uma lembrança humilhante. É praxe, neste tradicional evento, o chefe de Estado submeter-se com bonomia a tiradas de humor do mestre de cerimônias e, em troca, deleitar o salão repleto de celebridades com tiradas de humor autodepreciativo intercaladas de alfinetadas nos presentes.
Obama, mestre absoluto neste jogo, pinçara o bilionário como um dos alvos de sua verve. Dizem tê-lo ferido mais fundo do que durante a campanha eleitoral de agora. Surpreendente que Trump jamais havia estado na Casa Branca como cidadão comum, antes do encontro de equilibristas desta semana — nem como aluno em excursão de colégio, nem como pai que faz fila cívica com o filho, nem como megaempresário convidado a um dos tantos eventos presidenciais das últimas quatro décadas.
Foi, portanto, um encontro entre dois homens com pressa de passar do estágio de nunca terem se cruzado sequer num elevador, para o de precisarem confiar um no outro. No caso de Trump, tratava-se de absorver, captar, sugar, compreender, assimilar o máximo possível — a digestão seria feita depois. E Obama estreou no papel crítico de tutor, com responsabilidade (e dificuldade) maior do que todos os seus antecessores somados em apontar ao novato as armadilhas do cargo.
Ao final, o visitante declarou-se encantado pelo encontro ter durado quase uma hora e meia, e não os dez ou 15 minutos que imaginara. Mencionou que, à parte temas de política externa e interna e questões organizacionais, Obama lhe explicara algumas das dificuldades e “conquistas realmente formidáveis que foram obtidas” em seu governo. Nesta frase pode estar embutida uma das razões pelas quais o encontro foi tão longo — o presidente deve ter exposto com vagar os riscos de se desmontar determinadas iniciativas inclusivas do tecido social americano.
Sobretudo porque o país ainda não está aquietado do choque eleitoral. Representantes de minorias planejam uma marcha sobre Washington para, segundo os organizadores, “mostrar que ainda estamos aqui”. Enquanto isso, Michelle Obama percorria com Melania Trump os domínios da Ala Oeste reservados às primeiras-damas. Com a troca próxima de inquilinos, a Casa Branca se tornará mais branca, e os americanos perceberão a falta que os Obama farão.
Ali morou durante oito anos não apenas um comandante em chefe da nação, mas um casal negro com duas filhas que viraram adolescentes sob escrutínio ininterrupto, formando uma unidade familiar sólida, normal, alegre, participante e esclarecida, e como tal serviram de exemplo para suas respectivas gerações. Imprimatur Michelle.
Quanto a Melania, sua entrada em cena já produziu pelo menos um primeiro efeito educativo: os americanos, péssimos em geografia, puderam aprender que a Eslovênia, terra em que nasceu a futura primeira-dama, e a Eslováquia não são o mesmo país. Falta apenas o terceiro futuro morador da Casa Branca ser visto sem o habitual semblante sério e entristecido.
Enfiado numa indefectível gravata lisa que lembra as do pai, Barron Trump, ainda não apareceu como moleque de 10 anos à vontade na vida. Obama, com seu extravagante índice de popularidade em final de segundo mandato (acima de 55%), foge do figurino de líder que vai ser despejado. De Woodrow Wilson a Dwight Eisenhower, de Lyndon Johnson a Bill Clinton, todos sentiram o capital político esfarelar à mesma época.
George W. Bush tratou de buscar consolo lotando a agenda com viagens ao exterior. Ziguezagueava por países e surgia como uma espécie de furão em fotos com líderes estrangeiros. Ironicamente, a eleição da incógnita Trump dá à presença mundial de Obama uma sobrevida inesperada, embora em final de mandato quase nenhum presidente consiga resolver seus grandes impasses de política internacional.
Harry Truman passou o cargo para Eisenhower junto com o fardo da guerra da Coreia. Lyndon Johnson entregou os pontos sem conseguir mudar o rumo do atoleiro no Vietnã. Bill Clinton não conseguiu ter no currículo o almejado tratado de paz no Oriente Médio. E Obama deixará para seu sucessor, entre outros, a ferida exposta e obscena da destruição da Síria. Donald Trump parece sentir-se talhado para triunfar em desafios impossíveis.
Até porque resta um naco de rocha nas montanhas de Dakota do Sul onde, em tese, ainda cabe uma quinta efígie. As quatro cabeças de 18 metros cada, esculpidas no granito de Mount Rushmore, são de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln. Elas representam, respectivamente, a luta pela independência, processo democrático, liderança e igualdade. Por que não começar a cultivar a fantasia de se juntar a essa galera?
Meme das efígies de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, esculpidas no granito de Mount Rushmore, Keystone, South Dakota, EUA (Foto: Redes Sociais)