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sábado, 28 de julho de 2018

sábado, 3 de março de 2018

Drummond na Folha de São Paulo entrevistado por Suzy, a cadelinha



AMOR AOS BICHOS

De tão amigo dos animais, poeta foi entrevistado por uma… cadela

DE SÃO PAULO
Escritor Carlos Drummond de Andrade sorri para a câmera de Fernando Sabino em cena do documentário "O Fazendeiro do Ar", de 1972
Como mostram os papéis que guardava entre os livros, Drummond era defensor dos animais. Ele teve um cachorro chamado Puck e um gato chamado Inácio.
Em 4 de outubro de 1970 –dia de São Francisco de Assis, padroeiro dos animais–, com a amiga Lya Cavalcanti, também adepta da causa, criou um veículo em defesa da bicharada, batizado de “A Voz dos que Não Falam”.
Na capa da primeira edição, guardada no IMS, Cavalcanti deixava uma oração: “Sr. São Francisco, abençoe o irmão poeta entre seus bichos mais queridos”.
Logo abaixo, Drummond publicava um poema, “Conversa com o Santo”, no qual fala das “[…] infinitas coleções de animais que sofrem em todos os lugares da terra/ e não podem dizer que sofrem, e por isto sofrem duas vezes…”.
O poeta concluía o poema assim: “Por isto, santinho nosso,/ você providencie urgente sua volta ao mundo/ para ver se dá jeito nestes seus alunos repetentes”.
Uma das curiosidades de“A Voz” é uma “entrevista” dada por Drummond ao jornalzinho, em 1973.
Já era uma época em que ele não estava disponível para ser entrevistado, e “A Voz” a anunciava com pompa -“Entrevista exclusiva com o autor que não dá entrevista nem para o ‘Pasquim’”.
Quer dizer, não eram bem uma entrevista de verdade, porque a entrevistadora era uma cadelinha chamada Suzy. Leia abaixo.
Que acha da campanha que andam movendo contra nós?
Em primeiro lugar, acho uma campanha com certa dose de covardia: o homem é infinitamente mais poderoso do que vocês. Em segundo lugar, acho injusta, porque vocês não podem ser culpados do mal que eventualmente façam ao homem, uma vez que este lhes nega a racionalidade. Em terceiro lugar chega, né?
Acha que o homem tem direito à exclusividade neste planeta?
Não. Do seu direito à coexistência com as outras espécies animais o que lhe advém é antes da responsabilidade pela sorte dos mais fracos e menos evoluídos. Que entende você por mundo cão? Entendo um mundo tornado cruel pelo homem e não pelos outros seres vivos.
Se você não fosse homem, que bicho gostaria de ser?
Eu não gostaria de ser bicho e ter de defender-me da agressividade dos não-bichos.
Acha que o homem merece o amor que lhe dedicamos?
Muitos merecem, justiça seja feita. Porém um número ainda maior é indiferente ou hostil a vocês.
Em caso negativo, que iriamos amar se não amássemos o homem (e a mulher, é claro)?
Quando o homem não merece amor, o melhor é ficar à maior distância possível deles, e cada bicho consolar-se com o seu semelhante.
Em caso afirmativo, que poderemos fazer para que ele retribua melhor o nosso amor?
Acho que não há receitas para a retribuição de amor. Quem é capaz de amar, quem nasceu para amar, não espera ser amado para começar a amar: dá logo uma de amoroso. A iniciativa não pode partir de vocês.
Gostamos muito da sua poesia, achamos você um sujeito muito bacana e muito compreensivo, e por isso gostaríamos de nomeá-lo nosso filósofo oficial. Você aceita?
Obrigado. Mas o melhor é vocês dispensarem a filosofia e continuarem simplesmente integrados na natureza -coisas que nós, supostamente superiores, raramente sabemos fazer.
Menina, com cachorro, observa atentamente a escultura de Carlos Drummond de Andrade, no Rio (Ana Carolina Fernandes/Folhapress)

Humor de Bennet no blog do Josias




Josias de Souza
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Via Benett

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

"Big Brother Brasília" //João Pereira Coutinho

terça-feira, fevereiro 27, 2018

Big Brother Brasília

JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 27/02

Qualquer forma de política 'carismática' é um perigo brutal para a sobrevivência das democracias liberais

Luciano Huck para presidente? Ele diz que não. Acredito. Mas, se a decisão fosse outra, o Brasil estaria na vanguarda das democracias ocidentais —e Fernando Henrique Cardoso percebeu isso.

Anos atrás, na revista "Foreign Policy", FHC publicou um bom artigo sobre o futuro dos partidos políticos. "Futuro", vírgula: FHC não acreditava que houvesse futuro para os partidos. As tradicionais divisões ideológicas entre esquerda e direita já não tinham o mesmo significado —e a mesma militância.

E, além disso, a desilusão do eleitorado com o "establishment" faria emergir movimentos, grupos, "populistas" (termo meu, não de FHC) capazes de rivalizar com as estruturas decrépitas e assaz rígidas dos partidos. Fernando Henrique foi um visionário.

Claro: existe uma diferença entre mim e FHC. Para ele, essa nova realidade extrapartidária não parece ser um mal em si, sobretudo se os partidos não se souberem recriar para responder aos desafios do presente. O entusiasmo de FHC com Huck demonstra isso: o apresentador "areja", "põe em xeque os partidos", afirmou o ex-presidente.

Para mim, qualquer forma de política "carismática" representa sempre um perigo brutal para a sobrevivência das democracias liberais e das suas instituições. Mas admito que o "espírito do tempo" está mais próximo de FHC.
E mais próximo de Luciano Huck, já agora. Um exemplo: a revista "The Spectator" publicou um ensaio revelador sobre os possíveis candidatos democratas para as eleições norte-americanas de 2020. Não perco tempo com nomes menores. Prefiro avançar para os nomes maiores, que aliás surgem na capa da revista: Oprah Winfrey, Tom Hanks, George Clooney. O que têm os três em comum?

Sim, créditos progressistas imaculados. Mas o essencial não está na ideologia. Está na celebridade: os três são produtos da indústria de entretenimento. Exatamente como Donald Trump. A lógica é fulminante: se Donald Trump foi um produto midiático de sucesso, é preciso responder na mesma moeda.

Essa hipótese arrepia a minha costela platônica —e escrevo "platônica" no sentido próprio do tempo. Se existe uma ideia consensual na história da política moderna é a velha crença de que os melhores devem governar, como Platão defendia na sua "República".

Bem sei que a realidade nem sempre cumpre o ideal. Mas o ideal não existe para ser cumprido. Existe, quando muito, para que a realidade se aproxime dele.
Dito de outra forma: se a política é, ou deve ser, a mais nobre das artes, então espera-se de um governante algumas virtudes que exigem preparação e conhecimento.

Tudo isso está em causa nas "democracias midiáticas" em que vivemos. Não são os melhores que vencem; os melhores são aqueles que vendem. E vendem o quê? Uma imagem que corresponde às preferências voláteis e sentimentais dos consumidores.

Quando os democratas cogitam a hipótese de um George Clooney para a Casa Branca, ninguém perde um minuto para indagar as ideias do senhor. Ideias? Quais ideias? O que interessa é o sorriso, o olhar, o traje e dezenas de outras imbecilidades avulsas. As democracias midiáticas não querem políticos, mas estrelas pop.

E no futuro?

Não pretendo horrorizar ninguém. Mas imagino facilmente dois cenários.

O primeiro seria transformar os partidos políticos em organizações muito semelhantes às agências de modelos. Haveria o "estilista" ideológico --alguém responsável por um programa eleitoral mais ou menos clássico; e, depois, haveria o candidato-modelo para desfilar na "passerelle" dos comícios e dos debates.

O candidato-modelo seria apenas uma máscara, uma marionete do partido, com a única missão de apaixonar as massas. Uma vez eleito, ele continuaria o seu trabalho de fachada, deixando para os comuns mortais a mecânica burocrática do governo.

Outro caminho seria acabar com os partidos e, por exemplo, criar um show televisivo --um "Big Brother Brasília", digamos. Nesse caso, seriam as massas a escolher diretamente o presidente, depois de assistirem às suas proezas em sunga ou biquíni.

Hoje, olhamos para Donald Trump ou Oprah Winfrey como excentricidades. Dois nomes que representam o triunfo do entretenimento sobre a política.

Amanhã, quando o dilúvio chegar, ainda vamos olhar para trás e recordar Trump ou Oprah como os últimos grandes estadistas.

João Pereira Coutinho
É escritor português e doutor em ciência política.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

"Há uma relação direta entre melhorar de vida e recusar a maternidade. A vida sem filhos é mais segura, mais autônoma, mais barata."

Quanto mais raros os filhos, maior a precariedade psíquica deles 

Imagem relacionada LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 19/02

Se você anda pela cidade e presta atenção nas coisas, especialmente no movimento do mercado, e lê sobre isso, perceberá três fenômenos, aparentemente sem relação uns com os outros, mas que falam diretamente do futuro. Ao mesmo tempo que cresce o número de pet shops, cai o de maternidades, no mesmo passo que sobe o número de casas de repouso pra idosos. Qual a relação entre os três fenômenos?

O aumento de pet shops indica a opção de afeto que os mais jovens estão fazendo: melhor cachorros do que filhos, estes duram muito e custam muito mais caro. A falência das maternidades é fruto direto dessa racionalização por parte dos casais mais jovens: ter filhos é um mau negócio. Não ter filhos é índice de autonomia e emancipação, só mulher sem "opção" teria filhos. O terceiro, por sua vez, aponta para o envelhecimento da população, acompanhado pela solidão derivada da atomização das famílias. Os idosos viverão muito, mas abandonados em depósito para idosos.

O que fazer com esse efeito colateral da longevidade? O mercado, na sua "infinita sabedoria", percebe que a tendência é a gradual substituição dos vínculos afetivos por serviços que esses vínculos garantiam no passado. Serviços que visam preencher o vácuo das famílias serão um grande negócio no futuro.

É interessante perceber que ao lado da decisão de reduzir a quase zero a reprodução humana, o grau de atenção neurótica sobre os poucos rebentos que caminham sobre o mundo cresce. Coitados desses jovens que viverão na condição de espécie em extinção. Pais que querem ganhar o prêmio de mais divertidos, participativos e atenciosos beiram o ridículo nos espaços de lazer para esses seres em extinção, as crianças. Os pais, então, competindo com as mães, buscando o direito de serem reconhecidos como portadores de um "útero social", são patéticos.

A proporção entre você ser um pai neuras ou uma mãe neuras e ter "projetos" sobre a educação dos seus filhos é quase direta. Quanto mais você tiver "certeza" que a escola deve formar seu filho para ser uma pessoa melhor, pior será o grau de ansiedade dele ao virar adolescente. Filhos, hoje, quando existem, são projetos narcísicos dos pais, que, no fundo, prefeririam não tê-los.

De onde surgiu essa ideia idiota de que pais devem ser pais 24 horas por dia? Neuróticos que usam câmeras de vídeo pra vigiar a respiração dos rebentos a distância. Esse "excesso" de cuidado é sintoma do desejo de que os filhos não existissem.

Há uma relação direta entre melhorar de vida e recusar a maternidade. A vida sem filhos é mais segura, mais autônoma, mais barata. Quando você decide que para você é melhor não ter filhos, e isso atinge impacto estatístico, você não está consciente desse impacto. A relação entre riqueza e não ter filhos é direta.

Há aquelas pessoas que agem assim simplesmente porque acham que tem gente demais no mundo. Um argumento falsamente social, mas de teor radicalmente individualista. Arriscaria dizer que quanto mais você se vê como alguém que quer "salvar o mundo", maior a chance dessa intenção estar assentada na mais pura natureza narcísica. A revolução moral moderna (o egoísmo) condena a condição de pai e mãe a obstáculo contra competitividade. O mundo corporativo diz que não, mas mente.

À medida que os filhos se tornarem mais raros, a condição de precariedade psíquica deles se radicalizará. Como toda espécie em extinção, o blábláblá sobre a importância deles crescerá à sombra da sua inexistência real. Se já sabemos que os jovens hoje são mais ansiosos, inseguros e incapazes de viverem vínculos afetivos consistentes, é porque os efeitos colaterais da extinção já estão em curso. A ampliação "oficial" da adolescência até os 24 anos de idade, determinada no Reino Unido, indica a incapacidade do amadurecimento, agora já na forma da lei.
Assim como especialistas em macacos em extinção, especialistas em jovens serão profissionais que estudarão, ainda que negando, esse processo inexorável. O futuro pertence a idosos solitários cheios de aplicativos para divertimento em seus dias vazios.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

"Os materialistas sempre foram ignorantes nas matérias do espírito " / João Pereira Coutinho



Os materialistas sempre foram ignorantes nas matérias do espírito







O corpo dói, a cabeça idem, o termômetro não mente: bom dia, gripe! Desisto dos meus compromissos e viajo para os lençóis, gemendo como um condenado.
Depois, com verdadeiro esforço homérico, cancelo um almoço, uma reunião de trabalho e negocio um novo prazo para entregar um texto. Oficialmente, estou fora do circuito. Estarei nos três próximos dias.
É então que o milagre acontece: pela primeira vez em muitos anos, o celular não toca mais. Os dias voltam a ter 24 horas. Há silêncio ao redor.


O medicamento Tamiflu - Reuters
E, com o silêncio, vem o pensamento: ali deitado, sou capaz de pensar em cinco ou seis artigos e numa boa ideia para um ensaio. Sem falar da leitura: com o coquetel farmacológico perfeito, é possível virar as páginas de um livro como elas merecem ser viradas. Devagar. Quem diria que uma gripe podia ser uma ilha de sanidade?
Por pouco tempo, informa o "The Wall Street Journal" em artigo sobre os últimos avanços contra a doença. Hoje, quem sucumbe ao vírus toma Tamiflu: duas vezes por dia, durante cinco dias. Mas, a curto prazo, será possível despachar o assunto em um único dia. A droga, inventada no Japão, dá pelo nome de Shionogi.
Longe de mim condenar os progressos da humanidade: tratamento dentário sem anestesia é um sonho que eu não tenho. (Para os nostálgicos, sugiro o filme "Maratona da Morte", de John Schlesinger.)
Além disso, é preciso lembrar que a gripe continua a matar em abundância ---só nos Estados Unidos, e desde meados de dezembro, são mais de cem mortes por semana.
Mas também é preciso lembrar que, nos casos benignos (a esmagadora maioria), a droga japonesa promete roubar três dias de pura ociosidade. De que vale ter uma gripe quando a curamos em 24 horas?
Eu sei, eu sei: há sempre a possibilidade de não tomar a droga, mantendo a integridade da experiência horizontal. Mas, no processo, perde-se o mais importante: a desculpa. Como justificar lá no trabalho que estaremos ausentes por gripe durante três dias, ou quatro, ou até cinco (o meu objetivo)?
Aliás, a gripe não é a única espécie em vias de extinção. O próprio sono pode ser o próximo alvo. No fabuloso site "Aeon", a escritora Jessa  Gamble escreve um dos textos mais arrepiantes da minha enfermidade. Pergunta: se a pílula feminina separou o sexo da reprodução, por que não abraçar um tratamento médico que diminui ou até suprime a necessidade de dormir, separando os seres humanos do reino animal?
Ou, por outras palavras, não será um lamentável desperdício de tempo ter 1/3 das nossas vidas em modo inconsciente? Quem, em juízo perfeito, não trocaria esse período perdido por mais 50 anos de "vida útil"?
Houve experiências: estimulantes vários usados em contexto militar. Mas são expedientes limitados, que podem substituir a sonolência pela psicose. Nos Estados Unidos, o Exército procura um meio-termo entre nenhum sono e o sono normal: por exemplo, uma máscara que substitui as oito horas clássicas por metade disso, ou menos de metade. Duas horas de sono absolutamente reparador, eis o Santo Graal.
Ou o Santo Mal. Leio o artigo e pergunto: como é possível reduzir o ato de dormir a uma mera necessidade biológica? Onde está o prazer do abandono e do esquecimento? "A alma é um vício", dizia a grande escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís. Mas os materialistas sempre foram ignorantes nas matérias do espírito.
E como impedir que uma máscara dessas —lentamente, insidiosamente— não seria imposta sobre uma sociedade de escravos? Escravos produtivos, cada vez mais produtivos, mas escravos na mesma? Imagino a competição: o trabalhador A perdeu o emprego porque o trabalhador B estava disposto a só dormir 2 horas.
Tremendo com a doença —minha e do mundo— apago a luz do quarto e escuto a minha consciência: "Aproveita, rapaz, enquanto podes".
Adormeço com um sorriso de alívio. 
João Pereira Coutinho
Escritor português, é doutor em ciência política. Escreve às terças e às sextas.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Invasão de privacidade ...

segunda-feira, janeiro 15, 2018

Proibir carne em certos dias da semana só pode ser ideia de fascista

LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 15/01



Muitas vezes você deve ter se perguntado para que serve um deputado estadual no Brasil. Uma resposta que deve vir à sua mente é: para nada. Mas, você pode, infelizmente, estar errado.

Para além da inutilidade estrutural de grande parte dos políticos no Brasil, a organização política do Brasil determina a quase inutilidade dos deputados estaduais porque tudo é decidido em Brasília.

Como disse um amigo meu, se você cometer um crime no Brasil e se esconder na Assembleia Legislativa estadual, provavelmente, o crime prescreverá, porque quase ninguém vai lá.

As coisas sempre podem piorar: alguns entre os muitos inúteis podem resolver "legislar" e aí, a emenda sai pior do que o soneto. Inúteis são menos perigosos quando ficam quietos.

Por incrível que pareça, alguém parece estar tentando proibir restaurantes e bares de vender produtos de carne às segundas-feiras no Estado de São Paulo, em nome da defesa animal.

Temos em Brasília as bancadas da bala, da Bíblia, do boi, e agora, em São Paulo, temos a bancada da rúcula. Para essa bancada, a humanidade de sete bilhões de Sapiens pode sim se alimentar de rúcula com alface, apesar de toda a história da seleção natural dizer o contrário.

Tudo bem, modas são modas, e vivemos uma era de modas ridículas, principalmente entre jovens riquinhos. Veganos de todos os tipos, seguindo o guru Peter Singer e seu "Animal Liberation" de 1975, afirmam que comer animais é "especismo". O termo é cunhado como analogia a "racismo". Bicho também é gente.

Partilho da sensibilidade de cuidado com os animais e desconfio de quem maltrata animais. Mas, como seres naturais que somos, precisamos nos alimentar.

Não existe a natureza que os veganos imaginam em suas vidinhas protegidas e cheias de pequenos luxos alimentares presentes em restaurantes descoladinhos. A natureza é uma besta fera que devora tudo.

Câncer é tão natural quanto uma praia maravilhosa e deserta. Entrega um vegano desses pra besta fera que é a natureza e você verá o que acontece: os vermes carnívoros comerão os veganos, assim como comerão os frequentadores de churrascarias. A riqueza material corre o risco de deixar todo mundo abestalhado.

Afora o fato evidente de que as pessoas podem gostar ou não de carne, sentir-se bem comendo carne ou não, ter nojo ou não (e ninguém deve se meter nessa questão de gosto pessoal), a ideia de transformar em lei algo assim (proibir as pessoas de comer carne em locais públicos num dia da semana) só pode passar pela cabeça de algum fascista verde radical. Ou de alguém financiado por algum grupo de interesse em "dinheiro verde". Ou de um neoidiota contra a carne.

Se leis assim passarem um dia, teremos chegado ao fundo do poço de uma tendência contemporânea que é o fascismo de butique.

O que é fascismo de butique? É gente que transforma suas pequenas manias em pautas universais, do tipo: "A humanidade tem que viver como eu acho que ela deve viver".

Jovens que vêm de boas famílias, normalmente, compõem o grosso desse fenômeno. Na Europa, como bem dizia o sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017), esse tipo de jovem é produto do Estado de bem-estar social, mas no Brasil e nos EUA são frutos de pais com razoável grana que pagam escolas caras que abraçam árvores.

Eduque seu filho para ser uma "pessoa com outra qualidade de consciência" e terá um idiota pra sempre a ser sustentado em suas manias narcísicas de comportamento "puro". Nunca se prepararam tão mal os jovens para a vida real como nos últimos anos. Jovens assim não enfrentariam desafios, dos Neandertais a Hitler.

Faça um teste consigo mesmo: se você achar que sabe como as pessoas deviam viver para serem melhores, a chance de você ser um fascista de butique é enorme.

Enfim: alguém quer proibir você de comer um churrasquinho na segunda-feira. Quer ir jantar à noite? Estaria a fim de comer um steak com molho poivre e fritas? A Assembleia Legislativa de São Paulo, do alto da sua infinita utilidade, quer proibir.

A bancada da rúcula vai obrigar a você a comer o que ela quer que você coma

A permanência da inutilidade como conceito. ..

segunda-feira, janeiro 15, 2018


A insustentável leveza de ser do PT 

 GAUDÊNCIO TORQUATO

FOLHA DE SP - 15/01

O ano eleitoral que se inicia coloca em xeque o dilema que tem afligido o PT ao longo dos últimos anos: arrefecer o peso do discurso, produzindo nova "carta aos brasileiros", à semelhança da que Luiz Inácio Lula da Silva apresentou em 2002, ou continuar a massificar o bordão da luta de classes ("nós e eles"), sob a crença do eterno retorno, conhecido conceito de Nietzsche (1844-1900), ancorado no princípio de que as situações existenciais se repetem indefinidamente no tempo.

A dúvida que paira sobre o PT e seu chefe maior parece levar em conta, de um lado, a perspectiva de melhoria da economia —nesse caso, o discurso radical seria mal recebido por parcela da população— e, de outro, o resgate do legado que a administração lulista se gaba de ter proporcionado ao país: a maior distribuição de renda da história. E que hoje virou fumaça.

A isca com que Lula pretende fisgar o eleitorado, em outubro, seria um elenco de compromissos com o povo, não apenas uma expressão moderada para cooptar o mercado, como se fez em 2002.

O fato é que o petismo está ajustando o discurso de forma a driblar os índices positivos alcançados pelo atual governo, rebater o tiroteio sobre a era petista, com foco no envolvimento de seus protagonistas no mensalão e na operação Lava Jato, e se apresentar como a melhor alternativa para enfrentar a crise (por ele perpetrada).

A identidade do petismo, plasmada ao longo do percurso iniciado em 1980, sempre se pautou pelo viés socializante. Recuperar o eixo histórico ante um Estado que avança na direção de reformas liberais e diminui seu porte não será fácil.

Lula abriu o discurso de posse na Presidência, em 1º de janeiro de 2003, com o verbo mudar. Era o conceito que unia sindicalistas, intelectuais e membros da Igreja Católica, fundadores do PT. Mas o país não mudou sob o mando petista. A leitura atual não perdoa os desvios do ciclo Lula/ Dilma, mesmo sob as glórias do programa distributivista de renda, assentado no Bolsa Família.

O ex-metalúrgico chegou a se autodesignar "metamorfose ambulante", em peroração humorística para explicar o vaivém do PT, ora trafegando na extrema esquerda do arco ideológico —quando grita jargões e ecoa o apartheid social—, ora aliado a siglas que o petismo condena, como o próprio MDB.

Imerso no arquipélago partidário, o PT perdeu o discurso original, sujou-se no lamaçal da corrupção e, incrível, adentrará o campo eleitoral com alianças à direita e à esquerda, maneira de garantir a eleição do maior número de governadores, senadores e deputados.

Lula deu o tom: o PT tem de ser pragmático. Precisa ganhar musculatura e garantir boa posição no ranking. A dúvida persiste: um discurso mais leve, menos radical, fará o gosto da militância? A resposta é não. O petismo tem a militância mais engajada e conta com a CUT e o MST, seus exércitos de retaguarda. Os militantes defendem um discurso virulento para compor a feição oposicionista.

Para voltar a ser competitivo, ao PT sobra a alternativa de voltar a esgrimir a espada com que ataca o statu quo. Ocorre que o resgate da velha identidade só terá êxito caso as reformas do governo Temer derem com os burros n'água.

Só assim o petismo assumirá a condição de maior força oposicionista. Em suma, não se sustenta a leveza de ser do PT. É mais provável que Lula assuma a cara zangada de João Ferrador, dos tempos de metalúrgico, para mostrar raiva e indignação como perseguido do juiz Sergio Moro. Pretende ir às urnas como vítima.

Condenado pelo TRF-4 e impedido de disputar o pleito, teria como modelo a figura do Nazareno carregando a cruz até o calvário. Sob o manto de mártir, há quem veja Lula puxando o substituto na direção do segundo turno da eleição.

GAUDÊNCIO TORQUATO, jornalista, é professor titular da USP (aposentado) e consultor político e de comunicação

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Sobre feminismo, sobre homens, etc /

Imagem relacionadaFeminismo de hoje é tão reacionário quanto o machismo neandertal 

 JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 02/01



Passei as festividades natalinas lendo Camille Paglia. Não sei se é pecado. Talvez seja. Mas que alegria –e que prazer!– ler uma feminista com atividade cerebral completa, que não se limita a defender a dignidade das mulheres –mas a dos homens também.

O título da sua coletânea de ensaios –"Free Women, Free Men: Sex, Gender, Feminism" (libertem mulheres, libertem homens: sexo, gênero e feminismo)– diz tudo: queremos uma sociedade de mulheres e homens livres –ou uma farsa infantil onde as mulheres são tratadas como espécies protegidas e os homens como selvagens inimputáveis?

O feminismo de Paglia, que provoca horrores mil nas "neofeministas", pode parecer demasiado severo para a sensibilidade histérica dos nossos dias. Mas subscrevo esse feminismo, não apenas por razões intelectuais –mas pessoais.

Cresci entre mulheres. Vivo entre elas. E quando relembro as mulheres da minha vida todas elas parecem encarnar o ideal de Paglia. Independentes. Irônicas. Corajosas. Que, sem surpresas, sempre gostaram de partilhar o espaço com homens adultos, dignos, refinados.

Para Paglia, o novo feminismo abandonou esse imperativo de exigência para que as mulheres sejam "amazonas", ou seja, senhoras da sua liberdade. Transformou as mulheres em seres débeis e vulneráveis, que devem ser constantemente protegidas de um mundo hostil e predatório.

Nota importante: Paglia não nega que o mundo é hostil e predatório. Sempre foi, sempre será. Ela apenas reafirma que as mulheres devem aprender a lidar com isso, não a retirar-se da arena como seres assustadiços.

Infelizmente, a voz de Camille Paglia foi abafada pela cultura da vitimização reinante. A Europa, nesse quesito, é terra devastada.

Leio na imprensa que a virada do ano em Berlim teve, pela primeira vez, uma "zona segura" para as mulheres. Em 2016, centenas foram abusadas por homens de "aparência árabe e norte-africana". Em 2017, houve uma espécie de "resort" para as espécies femininas que se sintam ameaçadas –e com a presença permanente da Cruz Vermelha.

Pode parecer piada. Ou cenário de guerra. Não é. As autoridades do país entenderam que a melhor forma de proteger as senhoras é pela segregação social (como nos países islâmicos). Será preciso elaborar sobre a aberração?

O papel de uma sociedade política civilizada não passa pela separação dos sexos. Passa pela garantia de segurança e ordem para todos. E de punição exemplar para os criminosos, independentemente da etnia, religião ou tara privada.

Será que a única coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é uma jaula? E não será essa oferta um insulto e uma degradação das próprias mulheres?

Mas a Alemanha não é caso isolado. Na Suécia, há uma nova lei a caminho para punir a violação. O premiê Stefan Löfven fala em "reforma histórica" –e eu tremo: relações sexuais, só com "consentimento explícito". Mas de que "consentimento" falamos? Verbal? Gestual? Só vejo uma forma de produzir uma prova de inocência irrefutável: um documento escrito.

Imagino: dois amantes, em momento de excitação. Subitamente, um deles para o andamento da dança e entrega um formulário para ser preenchido e assinado pela donzela arfante.

Dizer que isso é um dramático "turn-off" é um eufemismo. Mas não é um eufemismo declarar que uma lei dessas, mesmo na versão oral ("sim, declaro solenemente que tens a minha autorização para contatos fálico-vaginais"), é uma caricatura grotesca da intimidade entre adultos.

Será que a única coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é um papel e uma lapiseira?

Não tenho filhas. Se tivesse, Camille Paglia seria leitura obrigatória. Só para que elas aprendessem que as mulheres não são vítimas naturais de um mundo que existe para as amedrontar ou violar.

As mulheres devem ser mulheres: livres, independentes, conscientes do seu poder sexual, capazes de avaliar os riscos (e os homens) sem a mão paternalista de outras mulheres (ou de outros homens) que gostam de defender as suas "honras".

"Defender a honra?" Precisamente. O feminismo contemporâneo é tão reacionário como o machismo neandertal: ambos tratam as mulheres com a mesma condescendência. Ambos olham para as mulheres como o "sexo fraco".


É o eterno retorno