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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Ensaio sobre sobre a má vontade de personagens do PT com São Paulo // J R Guzzo

J. R. Guzzo

Brasil brasileiro

Foi em São Paulo que o Brasil ouviu pela primeira vez a palavra ‘greve’, e os senhores da corte no Rio de Janeiro ficaram sabendo de uma novidade revolucionária — a de que um trabalhador era um ser diferente de um escravo, precisava ser pago e tinha direitos

J. R. Guzzo
Vista panorâmica do centro de São Paulo, com destaque para as antenas da avenida Paulista
Vista panorâmica do centro de São Paulo, com destaque para as antenas da avenida Paulista, ao fundo (Danilo Valentini)
Voltou a ser moda no mundo político brasileiro falar mal de São Paulo; aparentemente, essa velhacaria parida pelo ressentimento e pela demagogia foi incluída de novo na caixa de ferramentas dos heróis da nossa vida pública. Para muitas estrelas do PT é uma tentativa de enfiar-se no coro contra as elites inventado pelo ex-presidente Lula — num desses repentes de inspiração que só ele tem para criar inimigos imaginários, em cima dos quais pode jogar a culpa de tudo sem citar o nome de ninguém. São Paulo, segundo essa visão, seria o covil mais perigoso das “elites brasileiras” de hoje. Tra­ta-se, também, de um alvo multiuso. Serve tanto para o infeliz deputado André Vargas como para o senador José Sarney. Serve para governadores calamitosos, que tentam explicar seus fracassos inventando que São Paulo fica com “todos os recursos do país”. Serve para a defesa de qualquer corrupto — estão sendo “linchados”, costumam dizer, porque combatem “os interesses da elite paulista”. Serve para rebater denúncias contra aberrações como a compra da refinaria de Pasadena ou a construção da refinaria Abreu e Lima, próxima ao Recife; tais denúncias, dizem os suspeitos, são armadas por elitistas de São Paulo, que querem “privatizar a Petrobras” e não se conformam com o avanço industrial de Pernambuco.
Junta-se à tropa, agora, o governador do Acre, Tião Viana, que acusa São Paulo de abrigar elites culpadas pelo triplo delito de preconceito, racismo e tentativa de “higienização” contra imigrantes haitianos. Recentemente, uma secretaria do governo paulista havia reclamado que em três dias vieram do Acre para São Paulo três vezes mais haitianos do que nos últimos três anos — todos com passagens entregues por funcionários do governo acriano, incapaz de lidar com a massa de imigrantes do Haiti que vem se acumulando em seu território. O governador, um servidor opaco do médio clero do PT, estava apenas aplicando o velho golpe dos grã­o-­senhores que reinam nos fundões mais atrasados do Brasil: combater a miséria através da exportação dos miseráveis. Mas não resistiu à tentação de enfiar na história a “elite paulista”, embrulhando com palavrório “ideológico” o que é uma simples trapaça para esconder sua inépcia.
Esse gigante da luta de classes, como alguns ainda podem se lembrar, é o mesmo senador Tião Viana que em 2009 tentou empurrar para o Senado Federal uma conta de 15 000 reais que sua filha gastou com ligações no celular durante uma viagem particular de duas semanas ao México; só pôs a mão no bolso para devolver esse dinheiro aos cofres públicos depois que o caso foi revelado pela imprensa. Os outros militantes anti-São Paulo não estão muito acima. Até caciques do PT, como o secretário paulistano de Transportes, já chegaram a afirmar que “São Paulo é a cidade mais reacionária do Brasil”. O ex-deputado cearense Ciro Gomes, nascido em São Paulo, é outro que gosta de bater bumbo nessa banda. Tempos atrás, veio com uma teoria bem estranha. Pelo que deu para entender, ele acha que São Paulo “não é bem o Brasil”; seria uma espécie de território estrangeiro, habitado por gente que talvez nem devesse ter pleno direito à nacionalidade brasileira, por lhe faltar “brasilidade”. Esse tipo de devaneio, comum entre políticos do Nordeste, talvez venha da impressão de que São Paulo é o bairro dos Jardins, o único que conhecem. O deputado poderia passar uma ou duas horas num dos outros 500 jardins que há na cidade. Poderia ir, por exemplo, ao Jardim Peri-Peri ou ao Jardim Quá­-Quá; teria oportunidade de verificar, então, se está ou não no Brasil.
São Paulo, gostem ou não, é a mais brasileira das cidades do Brasil — nenhuma outra, nem de longe, é o lar de tantos brasileiros vindos de outros estados. Tem 3 milhões de habitantes nordestinos, mais que qualquer cidade do Nordeste. A eles se somam os filhos, netos e bisnetos das massas vindas do Norte — os verdadeiros paulistanos de hoje. “Elite branca”, na cidade onde milhões de moradores formam a maior mistura de etnias de todo o Brasil? A cidade mais reacionária do país? São Paulo é onde o Brasil descobriu, com os imigrantes estrangeiros, que existia algo chamado “trabalho”. Foi em São Paulo que o Brasil ouviu pela primeira vez a palavra “greve”, e os senhores da corte no Rio de Janeiro ficaram sabendo de uma novidade revolucionária — a de que um trabalhador era um ser diferente de um escravo, precisava ser pago e tinha direitos. O ex-presidente Lula nunca teria existido sem São Paulo; não é com Acre ou Ceará, esses paraísos de progressismo político onde a “elite branca” já foi varrida do mapa, que se constroem mudanças assim.     
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