segunda-feira, 28 de maio de 2012

Realidade versus Princípio, caso da Lei da Ficha Limpa...

http://angelodacia.blogspot.com.br/2012/03/realidade-versus-principio-o-caso-da.html

1.3.12

Realidade versus Princípio - O caso da Lei da Ficha Limpa

Não tenho partido político. Até pelas minhas preferências, não há um partido sequer com o qual seja possível identificar os princípios que considero ideais. Por mais que minhas idéias possam ser, em alguns casos, incongruentes, nem isto faz com que me identifique seguramente com a grande pastelaria que são as bases programáticas e, principalmente, de atuação pública dos partidos políticos do Brasil.

Ainda assim, estes princípios me ajudam a escolher sempre quem confronta menos aquilo em que acredito. Cada caso é um caso mas, com o que conheço e me interesso por política, creio ser a melhor maneira de votar. Admito que a maioria dos brasileiros tomam outros caminhos para decidir o voto: O que o "governo" lhes fez, o que dizem que um outro candidato lhes faria de ruim caso ganhasse, o que determinado partido ou coligação lhe darão diretamente, e por aí vai. Acho legítimo.

Acontece que estes princípios, chamados na hora do voto como critério de exclusão, nem sempre podem ser usados ou defendidos para debater idéias ou propostas que estão em jogo na política. Estou aqui me referindo à questão da Lei de Ficha Limpa.

Apesar do fortíssimo apelo popular do nome, é uma Lei que muitos brasileiros não têm noção do impacto ou importância que terá daqui pra frente. Dos que se interessam por política, há uma divisão clara de opiniões quanto à Lei: Há os que acham-na benéfica por evitar que notáveis e contumazes criminosos consigam se eleger e usufruir dos benefícios de um cargo eletivo; e há os que acham-na maléfica por evitar que o voto seja uma decisão soberana do indivíduo de acordo com sua consciência e porque, no fim das contas, ninguém é obrigado a votar em político ruim.

A priori, a segunda opção para mim é mais correta. Ela é fundada em princípios irretocáveis que dizem respeito a parte da essência, tida por muitos como nefasta, tanto do capitalismo quanto do liberalismo: A autonomia do indivídulo deve permitir-lhe até mesmo errar e se dar mal, desde que não prejudique outros. Então, estou com quem é contra a Lei de Ficha Limpa? Não, de jeito nenhum.

Pode ser dito que minha definição da "essência" do capitalismo/liberalismo tenha sido preguiçosa e muito simplória. O que não se pode negar é que ela é verdadeira. Na definição, o que vemos é um Sistema de Liberdade plena e de autonomia do indivíduo. Como diria Bastiat, há aqui algo que não se vê: Ela implica que estes indivíduos sejam realmente livres e autônomos para esta decisão. No caso da nossa política, isto não é muito verdade.

Quem "pensa o Brasil" e mora nas grandes metrópoles infelizmente não tem muito contato ou conhecimento do que se vive fora delas. Estou falando dos grandes bolsões de miséria do norte de Minas, do Nordeste, da Região Norte? Nada disso! E vou dar aqui um exemplo bem rápido...

Guarujá, um exemplo


(Os próximos 6 parágrafos mostram um caso específico. Quem quiser, pode pular pra conclusão )
Guarujá é uma cidade que a maioria dos paulistas conhece. Estância Balneária, é uma cidade bilionária de população miserável, praticamente um resumo do nosso fracasso brasileiro: Ali tudo que é bom e belo foi obra da natureza. Não bastante a fonte barata de renda que é o turismo, Guarujá ainda goza da posição privilegiada ( uma ilha cercada por outra ) que lhe permite ter uma enorme área portuária. O resultado é que, com menos de 300 mil habitantes, Guarujá tem arrecadação MUNICIPAL de R$1 Bilhão.

Apesar de toda esta riqueza, mais da metade da população mora em favelas. Os serviços públicos, são podres. E a política, lógico, é o reflexo de uma população cuja maioria tem necessidades primárias: Na base do troca-troca. Vereadores que hoje apoiam um Prefeito, sem nenhum pudor apoiarão o próximo prefeito, mesmo que este em palanques xingue 3 gerações de quem está no poder. Foi assim na última eleição, e na anterior. Os vereadores? Como um PMDB praiano, sempre ali, apoiando quem quer que fosse.

Imprensa, espaço para crítica e oposição? Inexiste. É até engraçado o caso da gestão atual: A prefeita proibia um jornal local, que lhe fazia oposição, de ser distribuído na porta da Prefeitura Municipal (sim, jornais aqui são distribuídos de graça, ninguém paga pra ter notícias de sua cidade ). O jornal, historicamente ligado a um grupo político que estava brigado com a prefeita, contava os dias em que estavam sob censura e quanto tempo faltava pra que ela saísse do poder. Até que, alguns meses atrás, subitamente, o jornal simplesmente parou de chamar a prefeita de "Tonha", "Totonha" e coisas que tais para elogiá-la repetidamente em manchetes, editoriais e matérias internas.

Tem mais ainda... A Prefeita, com baixíssima aprovação, começou uma agressiva campanha de marketing. Propaganda em TV e rádio? Nada, no "rincão" guarujaense, isto se faz entregando jornal colorido em papel grosso com "prestação de contas" da prefeitura. Fora isto, espalham-se faixas pela cidade de supostos moradores agradecendo a Prefeita. Há também faixas do partido da Prefeita e do inexpressivo "Partido Pátria Livre", enraigado em seu Governo, enaltecendo a mesma. É curioso porque faixas espontâneas de moradores de bairros que distam mais de 15 km têm a mesma identidade visual: Mesma fonte, mesma cor e mesmas medidas. Também é curioso que somente faixas enaltecendo o Governo são permitidas.

Neste ambiente, vocês conseguem imaginar a plenitude de liberdade e independência democrática que têm os cidadãos? Estando a apenas 80 km da Capital, em Guarujá o que vale é o poder econômico, e este é/foi estabelecido justamente por quem teve acesso ao poder público,  aos cofres sempre desproporcionalmente fartos da cidade. A Prefeita atual elegeu-se com apoio de um antigo prefeito que governou aqui por uns 15 anos. O Prefeito antes desta, também saiu do grupo político deste antigo prefeito. É assim, no máximo quem chega ao poder é uma dissidência do grupo de quem já mandou na cidade.

Mesmo nas últimas eleições, em que houve restrições para boca-de-urna, ela existiu fartamente. Em casos de alguns vereadores, as pessoas ouviam que era possível saber quem votou ou não nele, a ameaça aos "cabos eleitorais" eram explícitas. Você acha que uma pessoa humilde e que se sujeita a trabalhar para gente assim tem discernimento para saber que se trata de uma mentira? Que ela deixaria de votar neste "patrocinador" por uma escolha livre de sua consciência? Ainda mais, nesta cidade não passam duas Legislaturas sem que um vereador seja assassinado, sendo o último um petista que tinha forte possibilidade de vencer agora em 2012 pra prefeito. Para azar dos familiares e amigos do vereador, como eu já disse, aqui não há imprensa, não há "sociedade organizada" para cobrar apuração rigorosa. E também sabemos muito bem, o PT não liga para seus políticos mortos.

VOLTANDO

Estes parágrafos todos mostram a realidade de uma cidade que está próxima à maior metrópole brasileira e que está numa "Zona Metropolitana" ( aqui ). E é assim! Conseguem imaginar como deve ser em lugares mais distantes e pobres?

A Lei da Ficha Limpa é como a qualidade do improviso: Uma coisa boa que nasce em resposta a algo muito ruim. Se tivéssemos tudo organizado e funcional, se fosse tudo ordenado e sob controle, não precisaríamos improvisar. Se tivéssemos um povo livre, instituições democráticas plenas e menor propensão ao uso da política como fim para poder econômico, então não precisaríamos debater algo assim. Se não tivéssemos a imunidade parlamentar, talvez não teríamos tanta gente desqualificada ou políticos com ficha extensa concorrendo a cargos menores. Se não tivéssemos tantas pessoas com necessidades mais elementares, então poderíamos contar com que as mesmas usassem mais critérios para votar. Embora não resolva todos os problemas, esta Lei servirá pra combater um dos muitos que é grave e explícito.

Debater a Lei da Ficha Limpa, ao fim de tudo, apenas mostra como é muito mais fácil defender idéias em debates do que vê-las na prática. Reforço: Tenho meus princípios e considero alguns inegociáveis para definir meu voto, acontece que infelizmente muitos deles têm pré-requisitos que não batem com o que vivemos, e por isto são impraticáveis na nossa realidade. Devo retomar este tema futuramente expondo outro caso também lamentável mas por agora basta celebrar que alguns notórios e tantos outros desconhecidos serão impedidos de comprar votos e imunidade nas próximas eleições.


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